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Há alguns anos desenvolvo trabalhos na rua por escolha política, a atitude de ocupar o espaço público com ações artísticas sempre me seduziu pelo potencial imoderado do espaço urbano: locais “sem donos”, espaços abandonados, muros onde práxis e léxis se entrecruzam, ruas de guerrilhas, cujas regras são feitas e desfeitas a todo tempo por aqueles que fazem uso do espaço público com infinitos interesses. Um campo de disputas e possibilidades, de esquinas democráticas e quarteirões tirânicos, onde cada encontro abre a universos e afecções. (...) O isolamento social imposto pela pandemia em 2020 e a consagração da vida on-line me fez ampliar a concepção de espaço público, sem querer inventar a roda, passei a considerar a internet também como uma pólis, estirando o conceito original e abusando em sua plasticidade, ciente das contradições desta operação. Assim, passei a ver o espaço da internet com um lugar a ser ocupado, disputando as novas praças públicas que se tornaram as redes sociais, com seus agenciamentos e inúmeros processos de subjetivação. (...) A série Ambivalente começou a partir de um encontro on-line. Na época não hesitei e me propus estar na rua, foi uma das primeiras saídas do confinamento sem objetivo de necessidades básicas, um desejo que o corpo pedia, receoso lá fui, e assim senti-me pulsante novamente. (...) Em um final de semana produzi um pouco mais que uma dezena de intervenções, que das ruas foram parar também nas redes sociais, reverberando a vontade de veredas em outros espaços. Agora a série ganha novos contornos em forma de livro, uma publicação impregnada pelo seu tempo, que nasce em um web-site para depois se materializar em objeto, um projeto composto com camadas de espaços públicos. Que transita da ocupação do site da rua com as intervenções urbanas, para um extra-site virtual com os registros e formatação para a web, e que se completa na potência de non-sites com a tiragem do livro de artista, capaz de circular entre mãos e em outros espaços heterotópicos. (...) Até dezembro de 2019 estávamos acostumados a viver na engrenagem dos nossos dias em ritmos acelerados, cada um ao seu modo, em incessantes ciclos de produção e consumo, quando ouvimos as notícias de um vírus desconhecido capaz de se espalhar pelo mundo. A pandemia em 2020 veio e logo desclipsou necessidades, luz se lançou em nossos porões e quem pode parou. (...) Em nossos lares também acompanhávamos as sandices de vermes presidindo nações, a necropolítica como nunca dançou as cegas à beira do abismo, entre negacionismos, quimeras e flertes com o facismo. (...) Um novo estilo de vida brotou entre o espaço público evacuado e a Hidra capitalista que em velocidade de algoritmos logo conectou os interesses. Daqui do Sul, vimos o Norte em fúria diante de injustiças recorrentes: black feeds, hashtags e monumentos tombados. Testemunhamos atônitos esses dias, a revolta teve seus instantes, mas como diria Rimbaud: o insuportável é que nada é insuportável, e o novo normal chegou entre uma onda e outra. (...) Assistir estátuas sendo derrubadas em Bristol, Baltmore e na Antuérpia foi um respiro que precisava diante do contexto asfixiante, o gesto de sair às ruas com um pano de chroma-key nasceu aí, como uma ânsia pelo novo, por novas memórias, uma provocação aos ícones. Ao vestir a cor e me despir de uma identidade quis potencializar projeções livres, novas narrativas. (...) Deste modo penso que a referência às esculturas antropofigurativas de memórias e ficções colonialistas estão em Ambivalente, em refusão, sem faces expostas, por meio da negação da perpetuação dos valores dos “vencedores” que os monumentos nas cidades efetuam. No contexto brasileiro: jesuítas, bandeirantes, marechais, são muitas as narrativas esculpidas no tempo e que compõe um complexo regime semiótico de agenciamentos de enunciação. (...) No entanto, a questão dos monumentos em Ambivalente se expande para além da menção a tais estátuas, entre outros tipos de construções simbólicas nas cidades, penso os próprios registros das ações como monumentos insólitos, se um monumento em stricto sensu perpetua uma recordação e evoca a um passado, o monumento em Ambivalente têm a luz como matéria: o fotográfico, o registro de uma ação que dura junto as várias camadas de tempo expostas nos muros urbanos: palimpsestos. (...) O documento como monumento, um presente já passado a ser reatualizado na experiência estética do espectador.
Anotações 2020-2021
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Depoimento para projeto que não virou (financiamento).
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